Quando meu vô faleceu a Elzira comentou uma coisa que ficou na minha cabeça. Ainda estávamos em volta da cama dele, todas nós, de mão dadas chorando e o corpo dele ainda quente na cama. Elzira comentou, lembrando daquele último suspiro agonizante, que não devia ser fácil morrer, mesmo preparado como ele estava. Que se pra nascer a gente tem que passar por uma dor tão intensa, morrer deve ter mais ou menos ou mesmo grau de dificuldade.
E esse comentário agora é porquê?
Pela dor.
Pela transformação de mágoa em perdão.
Difícil né?
Mágoa cultivada por 6 anos, nascida de dor, de mentira, de abandono, infidelidade... Mágoa que corroía.
É difícil ter mágoa tão grande, ter dentro do peito uma tristeza tão grande por uma lembrança, não se capaz de sentir carinho por nenhum dos momentos vividos juntos, como se todos eles tivessem sido encenados, como se todos eles fossem mentira. E ela nasce de dor e cresce, cresce muito. Parece que não há alternativa a não ser a distância e as tentativas inúteis de apagar a memória.
Nada tão drástico como "brilho eterno de uma mente sem lembrança", porque dor serve também pra que se evite novos relacionamentos com o mesmo perfil.
Como é que se tranforma mágoa em perdão?
Também não é fácil.
São necessários amigos muito queridos te apoiando e exigindo a tua presença. É necessária uma dose extra de coragem, chá de camomila, um piscadinha com um sorriso pra foto, imaginar todas as piores variáveis da situação e pesar se é suportável ou não.
É o primeiro passo.
Conseguir estar no mesmo espaço físico e na mesma roda do causador de tal mágoa, ser capaz de cumprimentar sem ofensas também ajuda.
Devolver uma coisa importante que estava com você. A única cópia existente do CD que ele gravou, aquela com a composição que ele fez pra você na separação. Único ítem sobrevivente do ataque de fúria onde todas as cartas foram queimadas, todas as fitas gravadas foram destruídas.
Última lembrança de carinho e dor, porque a música faz chorar, mas é linda e merecia virar um grande sucesso...
Reencontro que já se inicia com lágrimas... mas não são mais lágrimas magoadas, já são mais brandas.
Mas a transformação ocorre dentro do peito em duas horas de choro compulsivo abraçados depois de um pedido de desculpas.
Pela primeira vez um pedido de desculpas verdadeiro, realmente arrependido, consciente de todas a dor que causou. Pedido de perdão que vem no olhar e na batida do coração, não só nas palavras, que um dia foram tão vazias e sabe-se que não terão tanto peso.
E os amigos preocupados em volta, olhando, cuidando, prontos pra interferir se necessário fosse. Queridos amigos... agora eu tô bem...
Seis anos de mágoa guardados, seis anos de choro abafado que puderam sair definitivamente do peito, soluços, gritos, rios de lágrimas... eu só precisava chorar.
Precisava ficar leve. Precisava tirar aquela dor antes que virasse tumor.
Agora eu tô tranquila, a mágoa virou perdão, e perdão é mais quente e gostoso de sentir do que ódio, ou mágoa.
Mas eu aceito abraços dos amigos queridos que eu amo demais... e obrigada por insistirem na minha presença no show (mesmo que não tenha tido tempo de falar... :P)
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